Estava
comendo quando foi tomado por alguns devaneios... Lembrou da época em que as
pessoas usavam a Internet. Todas vidradas olhando para os seus dispositivos de
comunicação e os dedos frenéticos bailando sobre a tela, digitando suas
incontáveis conversas, posts, reclamações, tweets e etc.
Diziam
que ninguém se falava mais. Que todos ignoravam todos. Que, finalmente, a
individualidade prevalecera... Mal sabiam que quando viessem a Era das Trevas
isso seria muito pior.
Tão logo
a energia se foi - consequentemente, a Internet também -, as pessoas caíram em
um turbilhão de emoções. Depressão, medo, fraqueza, loucura e raiva. Muita
raiva. Agiam com fúria. E precisavam descarregar toda aquela frustração de terem
sido privados da vida conectada. A violência se fez presente em quase todos os
lugares.
Alguns
"heróis" tentaram criar meios de resolver isso, utilizando energias
alternativas, renováveis, nucleares... Mas falharam. Algo inexplicável
aconteceu e nenhum tipo de energia durava. Como mágica, ou maldição, os
mecanismos eletrônicos não funcionavam. Foi cogitada a possibilidade de voltar
a Era a Vapor e os entusiastas de um certo estilo vibraram achando que iriam
ver seus sonhos virando realidade. Mas isso também não aconteceu. Energia
alguma durava, sustentava, funcionava. E isso só piorava os ânimos. As pessoas
queriam explicações, mas com as comunicações paradas, todas as informações que
circulavam eram incompletas, incertas e por vezes, mentirosas.
Óbvio
que algumas pessoas se aproveitavam de outras para tomar vantagem.
Falsos
profetas surgiram aos borbotões. Por sorte, muitos deles foram degolados quando
não conseguiram suprir toda necessidade que o povo desejava. A humanidade havia
tomado um rumo que parecia não se importar aonde iria chegar.
Um outro
grupo, tentando a todo custo não ser comparado com aqueles – e isso se dava muito
mais pelo desejo elitista de “ser diferente” do que com a preocupação pelo ser
humano –, conseguiu criar uma regra que logo foi adotada. Para mostrar que ainda
eram da Era da Tecnologia, que não importava a ausência dela, foi decidido que
todos deveriam manter o hábito de agitar os polegares como se estivessem com um
objeto eletrônico nas mãos e o manipulassem. Aquelas pessoas que se sentiam
muito idiotas por fazer isso, seguravam algo para emular um aparelho. Outros,
não. Defendiam a ideia de que não era o aparelho (nem a Tecnologia) que os
fazia civilizados, portanto, agitariam os dedos sim (afinal, não queriam ser
excluídos), mas sem nada em mãos. Diziam até que era mais chique.
Essa
ideia se espalhou de tal forma que, em pouco tempo, era possível ver as pessoas
por todos os lugares com mãos vazias (ou não) e os dedos agitando no ar.
Os
debochados passaram a chamar essas pessoas de "tamboriladores" ou, logo
depois, de "tambor" (a medida que o tempo foi passando e a necessidade
ou vontade de se comunicar ficando mais escassa). E o apelido pegou tão rápido
quanto o ato de tamborilar.
As
pessoas levavam tão a sério a necessidade de mexer os dedos que com o tempo,
aquilo já acontecia naturalmente. Os que nasceram já sob o signo da Escuridão,
desde cedo aprendiam a agitar os dedos, mesmo sem ter ideia do porquê faziam
aquilo. Era tão natural quanto respirar.
Entre
aqueles que degolavam pessoas e faziam justiça com as próprias mãos, mais
conhecidos como Bárbaros, também discutiu-se a validade de tamborilar. Alguns
achavam um absurdo e propunham decepar os dedos daquele que fizesse isso.
Porém, muitos achavam que isso era extremismo (parece que degolar pessoas, não!)
e decidiram apenas por excluir de sua nova sociedade as pessoas que insistiam
em viver do passado. Então, surgiu uma variação de bárbaros, os Bárbaros
Tambor.
Na
verdade, para cada desentendimento, um grupo quando não era dizimado, era
excluído e, assim, nascia uma nova ordem. Nomes e mais nomes foram surgindo.
Reis,
imperadores, presidentes ou ditadores apareciam com o nascer do Sol e caíam antes
mesmo que este chegasse ao Oeste.
De
repente, ninguém mais queria ser líder. Porém, todos queriam ser liderados,
pois não sabiam o que fazer. Em um momento ou outro, era inevitável surgir um.
Mas nunca se mantinha por muito tempo. O povo era instável. Não sabia viver sem
regras, mas cada vez que aparecia alguém disposto a segui-las, logo era
retirado cargo. Isso foi acontecendo com mais e mais frequência.
E assim,
a humanidade passou a viver cada vez mais em grupo menores. Laços de sangue ou
sentimentos não eram motivos para manter as pessoas próximas. Toda divergência
era resolvida com luta, agressões, exclusão ou a morte.
Fugindo
uns dos outros, escondiam-se nos esgotos, topos de árvores, buracos... E mesmo
aqueles que viviam em grupos, quase não se falavam, se olhavam e, menos ainda,
se tocavam.
A fala
foi praticamente reduzida a rosnados.
Já não
viviam com regras, apenas instinto. Respirar, comer, beber, defecar, guerrear,
matar, procriar e tamborilar.
Finalmente,
a Humanidade tomou sua real forma: bichos.
Enquanto
ele comia, e lembrava das pessoas quando ainda não eram selvagens, ou não se
mostravam como tal, até sentiu saudade. Ele era um dos poucos antigos. Daqueles
que viveu uma época que quase ninguém lembrava mais. Daria tudo para ver as
pessoas com seus dedos em movimentos frenéticos sobre uma tela luminosa e
sorrindo para o vazio, como antigamente.
Mas,
agora, tudo aquilo não passava de um passado, não muito distante, porém,
impossível de ser revivido. Ele terminou de comer o rato que capturara com
tanta dificuldade, inspirou fundo e se preparava para voltar para a sua toca. Não
era seguro ficar exposto naquele lugar.
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