"O choro dos
inocentes". Pensou ou falou – ele estava com tanto sono que nem tinha
certeza qual das duas ações aconteceu. Mas o que sabe é que foi acordado com o
choro do bebê dos vizinhos. O que, além de deixá-lo aborrecido, por ter sido
acordado em um dia que não precisava levantar cedo, o deixou também intrigado,
afinal, aquela criança dificilmente chorava, e menos ainda tão alto e tão
esganiçado. Era até um dos motivos que o fazia sorrir para o bebê quando o via.
Não, não gostava de crianças. E
para aumentar o seu desagrado, fora acordado com um choro estridente e não
restavam dúvidas, era o bebê dos vizinhos. Levantou-se, banhou-se e tomou o
café da manhã ouvindo a triste sinfonia de um choro agoniado. Ao sair do seu
apartamento, pensou em bater na porta ao lado e perguntar se podia ajudar. Mas
o que ele entendia de crianças? De choro? E de interação com vizinhos? Nada!
Essa era a resposta para todas as perguntas.
Saiu mais irritado do que o
normal e, talvez por isso, não percebeu que, em todo o edifício podia-se ouvir
crianças chorando!
De dentro do seu carro, com as
janelas cerradas e o rádio ligado, ignorava também o choro que vinha de todos
os lugares. Ruas, casas, edifícios, escolas...
O trânsito completamente livre
ajudou a aliviar a tensão, mesmo estranhando tal acontecimento. Chegou a
perguntar-se se o dia de hoje era domingo ou feriado.
No escritório até esqueceu o
episódio com o vizinho bebê. E o substituiu por uma nova preocupação: a
ausência da secretária. Além de não ter aparecido para trabalhar – o que era
algo totalmente novo –, não ligou ou enviou qualquer mensagem informando o
motivo da falta – o que era completamente inadmissível. Resolveu levar a manhã
sem esperar por ela. Depois resolveria esse assunto. E tudo correu bem. Porém,
na hora do almoço, todo o seu pavor foi renovado.
Sem a secretária, teve que sair
para providenciar a própria refeição. Mas não fora isso que o assombrou, apesar
de estar acostumado com as benesses de ter alguém que fizesse coisas para ele –
como pegar o seu almoço – sabia se virar sozinho muito bem. O pavor outrora
citado se deu quando precisou sair do prédio e começou a ouvir um choro
constante no caminho do mercado. Quando chegou lá, ouviu novamente gritos e
choros e, desta vez, não era apenas uma criança. Eram muitas. Tinha certeza!
Percebeu que não havia nenhum
funcionário ou cliente no local. Mas o indistinguível choro se fazia presente.
Vasculhou todos os lugares a procura das crianças, mas também não estavam lá.
Apenas os seus lamentos mais profundos davam vida – ou o anúncio da morte – ao ambiente
deserto.
Ligou para a polícia, e não teve
sucesso. Ficou desesperado e resolveu pedir ajuda nos prédios vizinhos. Porém,
não havia sequer os porteiros!
Voltou às pressas ao escritório.
Agora, atento a tudo, percebeu a ausência dos funcionários do prédio. Sem
porteiros, faxineiros, seguranças... Nos outros escritórios, tudo vazio também.
Foi direto à garagem, entrou em seu
carro e saiu em disparada. Precisava encontrar alguém que o ajudasse. Desta
vez, com as janelas abertas, pode ouvir choros e gritos. Alguns mais próximos
do que outros, mas todos igualmente desesperadores.
Em uma rua, reduziu a velocidade
do carro, colocou a cabeça para fora e gritou em direção às casas pedindo ajuda.
A única resposta que teve, foi o assombroso choro.
Rodou com o carro por todos os
lugares até que a gasolina acabou e o veículo parou. O medo invadia seu corpo.
Estava paralisado e todos os seus sentidos prestes a explodir de tanta tensão. Não
aguentando mais, resolveu sair do carro, sentou-se na calçada, pôs as mãos na
cabeça e, angustiado e desnorteado, finalmente encontrou o seu choro fazendo
parte daquele coral lamurioso.
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