quarta-feira, 3 de agosto de 2016

O HOMEM

O farol celeste já se deitava sobre o horizonte tingindo o céu de vermelho.
"O sangue do Sol", disse enquanto assistia ao magnífico espetáculo natural e cotidiano.
Daquele ponto, não era possível ver nenhuma nave de transporte ou de caça cruzando o céu em todo seu campo de visão. Aliás, era esse o motivo dele escolher aquele lugar para sentar, apreciar a vista e meditar. Tudo tão primitivo, tão cru... Era o lugar ideal para sentir que se unia aos que vieram antes dele e aos que viessem depois. A energia que recebia e a que depositava naquele local.
"Good vibes", falou e em seguida riu daquela expressão ridícula.
Por fim, sentou-se e se concentrou.
"Eu me ligo a toda humanidade. Todos somos um. Tudo conectado".
Era o seu mantra.
Repetia a frase até que ela não fosse mais inteligível e se tornasse apenas um zumbido. Um zumbido que o transportava para a mais antiga das eras.
Diante de si, via a aurora do Homem. Aquele ser inseguro, porém, contraditoriamente decidido, levantando-se e andando sobre as duas pernas. Segurando um pedaço de osso, madeira ou até mesmo uma pedra. Erguendo a nova ferramenta sobre si e atingindo o seu alvo. Com esse movimento, o Homem mudou o rumo de todas as vidas no planeta.
Quantas outras vidas deixaram de existir ou foram condenadas após aquele simples movimento! Quanta coisa foi criada!
Obras de arte; prédios; músicas; gargalhadas; instrumentos; deus; dor; massacre; sangue...
O zumbido ficava cada vez mais intenso e sua mente zapeava cada vez mais rápido! Deslizava pela história da Humanidade. E, de repente, estava diante do Homem do Futuro. Este, tão distante do seu ancestral, deixara a tarefa de andar para as máquinas. Aliás, qualquer tarefa, era realizada por máquinas. O Homem do Futuro apenas pensava. Sua ferramenta era - talvez sempre tenha sido - sua imaginação. Idealizava e, tão rápido quanto o próprio pensamento, as máquinas concretizavam. Não havia fronteiras para a mente humana. Tantas outras obras de arte, construções, músicas foram criadas seguindo os ideais da perfeição.
Tantas outras guerras, carnificinas e sangue, em nome de um progresso que sequer olhava para o lado. Sempre à frente.
Voltava o pensamento novamente ao passado. O homem conectado à Natureza. Aquele que estava em comunhão com tudo e todos.
Rodava por todas as eras... Encantava-se ao ver uma criança que aprendia e falava as primeiras palavras; ou pelas mulheres que, em volta de uma fogueira, diziam palavras desconhecidas, e se comportavam como loucas, nuas, felizes; o sorriso estampado na face da amante após o gozo; o sangue que derramava do peito do soldado abatido; a lágrima de dor que escorria no rosto do homem abandonado no altar; a mão estendida para ajudar o outro a levantar; a mão que descia com fúria e desferia um golpe no indefeso; o som de água corrente; a gargalhada inocente; o intangível amor ao próximo--

De repente, foi tirado do seu transe quando o seu comunicador vibrou e fez o característico som de chamada vindo da Central. Atendeu apenas pelo sistema de áudio, não queria que vissem onde ele estava.
Antes mesmo de falar qualquer coisa, uma voz começou:

- D6M82, dróide exterminador, na escuta? - perguntou uma voz metalizada.
- D6M82 na escuta, Central. - respondeu o dróide.
- Dróide, foi localizado um grupo de humanos refugiados no seu setor. Você esta recebendo agora mesmo as coordenadas. Aproveite que está escurecendo e dirija-se ao local indicado, com urgência! A emboscada não pode falhar e não deverá ter sobreviventes e/ou fugitivos.
- Entendido. Câmbio e desligo.


O dróide exterminador desligou o seu dispositivo replicador de sentimento humano, pôs-se de pé e seguiu o caminho para cumprir com sua tarefa e eliminar o que considerava ser um vírus. O vírus que o havia criado, mas que também havia destruído toda e qualquer forma de vida sobre a Terra. O insignificante e dispensável homem.

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