sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

LUZ VERMELHA*

A lâmpada que ilumina a entrada é vermelha. Um pouco chamativo demais pro meu gosto, mas há a necessidade. Afinal, em meio a tantos prédios cinza, se destacar é preciso.
Sou recebido pela mesma atendente de sempre. Ela me dá o mesmo sorriso de sempre e me pergunta: "A menina de sempre?". Para não fugir de todo esse ritual, respondo: "Sempre". É um jogo manjado de tão repetitivo, mas, fazer o quê, s'eu gosto de rotina?
Efetuo o pagamento na recepção mesmo. As moças não tocam em dinheiro e nem se discute valor com elas.
Lá dentro, ela já me aguardava. Quando me vê, oferece-me um sorriso tão gostoso que, quase acredito não ser uma transação comercial o que há entre a gente. Ela vem em minha direção, gingando, enrolando os cabelos numa mão e lançando-os para longe. Em cascata, aquele belo cabelo cacheado volta para seu lugar de origem.

- Pontual como sempre! – fala para mim ainda sorrindo.
- Pontual como um relógio britânico! – respondo.
- Na verdade, a expressão é: "pontual como um britânico" ou "preciso como um relógio suíço".
- Hum. Entendi. – digo.

Não, não entendi. E, provavelmente, em breve, esquecerei essa informação. Minha memória é uma bosta!

- Vamos? - me chama e estende a mão para mim.

Sinceramente, poderia passar o dia apenas segurando aquela mão. Pagaria apenas para segurar aquela mão! Seu toque sempre me enche de paz. Mas ela me oferece bem mais que isso.
Entramos no quarto.
O aroma é intenso e a conhecida tontura vem. Esperando por isso, sua mão já está segurando meu braço para me guiar até a cama. Me ajuda a deitar. Deito e sinto seu toque delicado em minha testa.
Dali a pouco, ela começa a murmurar suas palavras [que eu não faço a menor ideia de quais sejam!].
Ainda estou zonzo. E assim, permanecerei até o fim.
Vou me perdendo entre os sussurros, aromas, pensamentos e as mãos dela acidentalmente tocando algum lugar do meu corpo.
Então, a indistinguível frialdade da lâmina me traz um pouco de lucidez quando sua ponta toca meu peito. Dura apenas alguns segundos e antes qu'eu volte ao meu estado de torpor, a excruciante dor da adaga me invade. Sinto algo quente jorrar. Não é sangue. Ela é mestra nisso. Nem uma gota de sangue sequer sai. Porém, algo abandona meu corpo quando a lâmina perfura meu tórax.
Aos poucos, meu coração diminui a batida. A respiração pesa. O Mundo fica mudo ou eu fico surdo, não sei. Finalmente, vejo a luz.
Sempre me pergunto: será a luz vermelha da entrada que vem à minha mente nesse momento?
Morro.

***

- Acabou o tempo. - ela me acorda com sua costumeira voz angelical.
- Já? – esfrego os olhos como se acordasse. - Sei não, heim, mas acho que você está cada vez mais diminuindo o tempo! – protesto em um tom carinhoso.
- Você sabe que não é verdade. Sessenta minutos, como sempre. Menos do que isso, eu não consigo te trazer de volta.
- Então, deixa mais.
- Sessenta minutos. Nem menos, nem mais. Tenho até medo de pensar o que poderia acontecer se eu descuidasse do tempo. – diz isso e se agita toda como se um arrepio houvesse atravessado seu corpo.
- Você é a melhor! Nada aconteceria. Olha só – aponto para meu peito. - Nenhuma cicatriz. Como sempre!
- São coisas diferentes. – finaliza.

Aceno com a cabeça e espalmo as mãos indicando derrota nessa discussão.
Não tenho mais motivos para estender essa conversa, então, despeço-me e confirmo o encontro da semana seguinte.
Porém, antes de sair do quarto, ela segura minha mão e, hesitante, fala:

- Eu sei que não é da minha conta, mas... Você vem aqui toda semana e eu não sei qual é a sua motivação... Digo isso, porque quase todos vêm aqui para tentar rever alguém que perdeu, encontrar um deus ou algo do tipo.

E sem disfarçar o constrangimento, pergunta:

- E você?

Sorrio e respondo:

- Vou te deixar na curiosidade.

Como sempre, saio de lá mais vivo do que nunca.



TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA VEM-VÉRTEBRAS.

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