A
lâmpada que ilumina a entrada é vermelha. Um pouco chamativo demais pro meu
gosto, mas há a necessidade. Afinal, em meio a tantos prédios cinza, se
destacar é preciso.
Sou
recebido pela mesma atendente de sempre. Ela me dá o mesmo sorriso de sempre e
me pergunta: "A menina de sempre?". Para não fugir de todo esse
ritual, respondo: "Sempre". É um jogo manjado de tão repetitivo, mas,
fazer o quê, s'eu gosto de rotina?
Efetuo
o pagamento na recepção mesmo. As moças não tocam em dinheiro e nem se discute
valor com elas.
Lá
dentro, ela já me aguardava. Quando me vê, oferece-me um sorriso tão gostoso
que, quase acredito não ser uma transação comercial o que há entre a gente. Ela
vem em minha direção, gingando, enrolando os cabelos numa mão e lançando-os
para longe. Em cascata, aquele belo cabelo cacheado volta para seu lugar de
origem.
- Pontual como
sempre! – fala para mim ainda sorrindo.
- Pontual como
um relógio britânico! – respondo.
- Na verdade,
a expressão é: "pontual como um britânico" ou "preciso como um
relógio suíço".
- Hum.
Entendi. – digo.
Não,
não entendi. E, provavelmente, em breve, esquecerei essa informação. Minha
memória é uma bosta!
- Vamos? - me
chama e estende a mão para mim.
Sinceramente,
poderia passar o dia apenas segurando aquela mão. Pagaria apenas para segurar
aquela mão! Seu toque sempre me enche de paz. Mas ela me oferece bem mais que
isso.
Entramos
no quarto.
O
aroma é intenso e a conhecida tontura vem. Esperando por isso, sua mão já está
segurando meu braço para me guiar até a cama. Me ajuda a deitar. Deito e sinto
seu toque delicado em minha testa.
Dali
a pouco, ela começa a murmurar suas palavras [que eu não faço a menor ideia de
quais sejam!].
Ainda
estou zonzo. E assim, permanecerei até o fim.
Vou
me perdendo entre os sussurros, aromas, pensamentos e as mãos dela
acidentalmente tocando algum lugar do meu corpo.
Então,
a indistinguível frialdade da lâmina me traz um pouco de lucidez quando sua
ponta toca meu peito. Dura apenas alguns segundos e antes qu'eu volte ao meu
estado de torpor, a excruciante dor da adaga me invade. Sinto algo quente
jorrar. Não é sangue. Ela é mestra nisso. Nem uma gota de sangue sequer sai.
Porém, algo abandona meu corpo quando a lâmina perfura meu tórax.
Aos
poucos, meu coração diminui a batida. A respiração pesa. O Mundo fica mudo ou
eu fico surdo, não sei. Finalmente, vejo a luz.
Sempre
me pergunto: será a luz vermelha da entrada que vem à minha mente nesse
momento?
Morro.
***
- Acabou o
tempo. - ela me acorda com sua costumeira voz angelical.
- Já? –
esfrego os olhos como se acordasse. - Sei não, heim, mas acho que você está
cada vez mais diminuindo o tempo! – protesto em um tom carinhoso.
- Você sabe
que não é verdade. Sessenta minutos, como sempre. Menos do que isso, eu não
consigo te trazer de volta.
- Então, deixa
mais.
- Sessenta
minutos. Nem menos, nem mais. Tenho até medo de pensar o que poderia acontecer
se eu descuidasse do tempo. – diz isso e se agita toda como se um arrepio
houvesse atravessado seu corpo.
- Você é a
melhor! Nada aconteceria. Olha só – aponto para meu peito. - Nenhuma cicatriz.
Como sempre!
- São coisas
diferentes. – finaliza.
Aceno
com a cabeça e espalmo as mãos indicando derrota nessa discussão.
Não
tenho mais motivos para estender essa conversa, então, despeço-me e confirmo o
encontro da semana seguinte.
Porém,
antes de sair do quarto, ela segura minha mão e, hesitante, fala:
- Eu sei que
não é da minha conta, mas... Você vem aqui toda semana e eu não sei qual é a
sua motivação... Digo isso, porque quase todos vêm aqui para tentar rever
alguém que perdeu, encontrar um deus ou algo do tipo.
E
sem disfarçar o constrangimento, pergunta:
- E você?
Sorrio
e respondo:
- Vou te
deixar na curiosidade.
Como sempre,
saio de lá mais vivo do que nunca.
TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA VEM-VÉRTEBRAS.
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