O farol celeste já se deitava sobre o
horizonte tingindo o céu de vermelho.
"O sangue do Sol", disse
enquanto assistia ao magnífico espetáculo natural e cotidiano.
Daquele ponto, não era possível ver
nenhuma nave de transporte ou de caça cruzando o céu em todo seu campo de
visão. Aliás, era esse o motivo dele escolher aquele lugar para sentar,
apreciar a vista e meditar. Tudo tão primitivo, tão cru... Era o lugar ideal
para sentir que se unia aos que vieram antes dele e aos que viessem depois. A
energia que recebia e a que depositava naquele local.
"Good vibes", falou e em
seguida riu daquela expressão ridícula.
Por fim, sentou-se e se concentrou.
"Eu me ligo a toda humanidade.
Todos somos um. Tudo conectado".
Era o seu mantra.
Repetia a frase até que ela não fosse
mais inteligível e se tornasse apenas um zumbido. Um zumbido que o transportava
para a mais antiga das eras.
Diante de si, via a aurora do Homem.
Aquele ser inseguro, porém, contraditoriamente decidido, levantando-se e
andando sobre as duas pernas. Segurando um pedaço de osso, madeira ou até mesmo
uma pedra. Erguendo a nova ferramenta sobre si e atingindo o seu alvo. Com esse
movimento, o Homem mudou o rumo de todas as vidas no planeta.
Quantas outras vidas deixaram de
existir ou foram condenadas após aquele simples movimento! Quanta coisa foi
criada!
Obras de arte; prédios; músicas;
gargalhadas; instrumentos; deus; dor; massacre; sangue...
O zumbido ficava cada vez mais intenso
e sua mente zapeava cada vez mais rápido! Deslizava pela história da
Humanidade. E, de repente, estava diante do Homem do Futuro. Este, tão distante
do seu ancestral, deixara a tarefa de andar para as máquinas. Aliás, qualquer
tarefa, era realizada por máquinas. O Homem do Futuro apenas pensava. Sua
ferramenta era - talvez sempre tenha sido - sua imaginação. Idealizava e, tão
rápido quanto o próprio pensamento, as máquinas concretizavam. Não havia
fronteiras para a mente humana. Tantas outras obras de arte, construções,
músicas foram criadas seguindo os ideais da perfeição.
Tantas outras guerras, carnificinas e
sangue, em nome de um progresso que sequer olhava para o lado. Sempre à frente.
Voltava o pensamento novamente ao
passado. O homem conectado à Natureza. Aquele que estava em comunhão com tudo e
todos.
Rodava por todas as eras...
Encantava-se ao ver uma criança que aprendia e falava as primeiras palavras; ou
pelas mulheres que, em volta de uma fogueira, diziam palavras desconhecidas, e
se comportavam como loucas, nuas, felizes; o sorriso estampado na face da
amante após o gozo; o sangue que derramava do peito do soldado abatido; a
lágrima de dor que escorria no rosto do homem abandonado no altar; a mão
estendida para ajudar o outro a levantar; a mão que descia com fúria e desferia
um golpe no indefeso; o som de água corrente; a gargalhada inocente; o
intangível amor ao próximo--
De repente, foi tirado do seu transe
quando o seu comunicador vibrou e fez o característico som de chamada vindo da
Central. Atendeu apenas pelo sistema de áudio, não queria que vissem onde ele
estava.
Antes mesmo de falar qualquer coisa,
uma voz começou:
- D6M82, dróide exterminador, na escuta? - perguntou uma voz metalizada.
- D6M82 na escuta, Central. - respondeu o dróide.
- Dróide, foi localizado um grupo de humanos refugiados no seu setor.
Você esta recebendo agora mesmo as coordenadas. Aproveite que está escurecendo
e dirija-se ao local indicado, com urgência! A emboscada não pode falhar e não
deverá ter sobreviventes e/ou fugitivos.
- Entendido. Câmbio e desligo.
O dróide exterminador desligou o seu
dispositivo replicador de sentimento humano, pôs-se de pé e seguiu o caminho
para cumprir com sua tarefa e eliminar o que considerava ser um vírus. O vírus
que o havia criado, mas que também havia destruído toda e qualquer forma de
vida sobre a Terra. O insignificante e dispensável homem.