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E se...? – falou alto, com a voz rouca de quem acabara de acordar.
Esse
sempre era o seu primeiro pensamento do dia. Mal abria os olhos e
vinha uma cascata de dúvidas desabar sobre ele.
E
se tivesse tomado qualquer outro caminho que não os que o trouxeram
até ali?
E
se tivesse escolhido a Pílula Azul? Viveria hoje em uma casa igual a
cem outras, com um balanço na árvore e uma cerca branca de madeira?
E
se tivesse dito “não!” ao convite daquela moça? Teria sofrido
menos depois? Teria amado mais, outra pessoa?
E
se tivesse fugido da sua cidade natal? Encontrar-se-ia em uma Vida de
bem-aventuranças agora ou estaria em outro beco sem saída?
E
se desistir da Vida agora? Por quanto tempo sofrerão por ele? Será
se sofrerão?
E
se, do jeito que está, na verdade, já desistiu da Vida? E,
anestesiado, estagnado, vive um falso-viver?
E
se? E se? E se? E se? - repica o sino das suas culpas.
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E se…? – fala mais uma vez, mas apenas sussurrando, puxa o
cobertor pra si e dorme um sono profundo.
(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO VEM-VÉRTEBRAS.